Leitura: Mt 27,27-29; Mc 15,16-17; Jo
19,1-3
Neste mistério, tomemos três pistas
para nossa contemplação.
1. Pensemos na terrível dor moral de
viver uma situação absolutamente absurda. O Filho de Deus agora é coroado de
espinhos, tratado com desprezo e zombaria. Imaginemos a cena... Aqui nada tem
sentido, nada se encaixa, tudo é absurdo: a maldade humana, a perversão da
soldadesca que, de modo patológico, se alegra com a malvadeza, com a crueldade.
Além da maldade humana, a aparente falta de sentido de todo aquele enredo
doloroso: Israel esperou o Messias, rezou pelo Messias, chorou e sofreu pelo
Messias... e agora, misteriosamente, em nome de Deus e de sua Lei, rejeita o
Messias e entrega-o aos pagão romanos, que o flagelam e ridicularizam, coroando-o
de espinhos. Teria Jesus fracassado? Teria sido tudo em vão? A humanidade
mereceria todo esse sacrifício? Onde está o Pai? Tudo é silêncio, tudo é treva,
tudo é agonia sem sentido... E, no entanto, Jesus se abandona, Jesus se
entrega: “Eu não estou só; o Pai está comigo!” (Jo 16,32b).
2. E, no entanto, esta absurda e
ridícula coroação tem um sentido sim no plano do Pai: Jesus coroado nos mostra,
de modo surpreendente, como é que Deus reina: não pelo poder, não pela
prepotência, não pelos brilhos deste mundo. Seu Reino vem pela humilhação do
Filho, pelo amor que se coloca a serviço até a morte e morte de cruz! Esta
idéia é importantíssima porque nos coloca diante de duas realidades: (1) Na
Igreja, aqueles que têm a autoridade devem sempre recordar que esta deve ser
instrumento de serviço e nunca de domínio tirânico: na Igreja reinar é servir! “O
maior dentre vós torne-se o servo de todos, e o que governa como aquele que
serve!” (Lc 22,26). Toda autoridade usada fora dessa linha é mundana, é
diabólica, é aquela de que falava Satanás, o Pai da Mentira: “Tudo isto te
darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4,9). (2) Muitas vezes, diante dos
males e absurdos do mundo e da vida, perguntamos por Deus: Onde está? Por que o
seu Reino não se manifesta? Por que parece tão impotente? A resposta a estas questões
encontra-se na Paixão do Senhor, na sua coroa de espinhos: ele não é rei
impondo, não é rei dominando tiranicamente. Exatamente para não sufocar a
liberdade humana – mesmo quando esta diz “não”, mesmo quando esta causa dor e
sofrimento – o Filho deixou-se coroar de espinhos! Deus não é rei à maneira
humana. Não podemos olhar os reis e presidentes da terra e, depois, tranqüilos,
dizer: Deus é Rei! Nada disso! Temos de olhar para o Cristo coroado de
espinhos, homem de dores, homem todo consumido em dor e amor (“Amor e dor andam
juntos!”)... e depois, admirados e confusos, exclamar: Cristo é Rei! Deus é Rei
de um modo que nos escapa, que exige que mudemos nossas idéias sobre reinos e
realezas, sobre tronos e domínios... Realmente, “Meus pensamentos não são os
vossos pensamentos; meus caminhos não são os vossos caminhos não são os meus
caminhos. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão
acima dos vossos caminhos e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos.”
(Is 55,8). É longo o caminho que temos para realmente nos converter, para
aprender a olhar a interpretar tudo à luz de Jesus e de sua entrega de amor!
3. Por fim, Jesus coroado de espinhos,
com uma cana entre as mãos, ridícula imitação de um cetro, e um manto vermelho,
como uma troça, à moda do Imperador... Jesus ridicularizado... Não é uma
parábola, uma imagem do que nosso mundo atual, soberbo e auto-suficiente, tem
feito com ele? Quantos filmes imorais e anti-cristãos? Quantos livros escritos,
denegrindo Cristo e sua Igreja? Quantas leis, quantas notícias, quantas
atitudes hostis e de desprezo em relação a Jesus, no mundo atual? Todos têm
direitos, menos o cristianismo; todos são elogiados, menos o Cristo! Hoje,
Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, vai sendo desprezado e escarnecido pelo
mundo ateu, pós-cristão, cada vez mais anti-cristão... Também esta situação faz
parte do caminho do Senhor: “O servo não é maior que o seu senhor, nem o
enviado maior do que quem o enviou. Se chamaram Beelzebu ao chefe da casa,
quanto mais chamarão assim aos seus familiares” (Jo 13,16; Mt 10,25).