por
Valdis Grinsteins
Muitos
católicos costumam rezar, após o Rosário, a Ladainha de Nossa Senhora, mas
poucos conhecem bem o grande valor teológico e simbólico de suas invocações
Sábado
à tarde, entrei numa igreja de uma pequena cidade do interior. Na penumbra,
algumas pessoas que haviam terminado de rezar o Rosário começaram a recitar
diversas invocações em honra de Nossa Senhora, seguidas todas elas do pedido
"rogai por nós".
Várias
das invocações são óbvias, nem precisariam de explicações. Por exemplo:
"Santa Mãe de Deus, rogai por nós" ou "Mãe do Criador, rogai por
nós". Se Nossa Senhora é Mãe de Jesus Cristo, e Ele é nosso Deus e
Criador, é normal invocá-La desse modo.
Mas,
confesso, eu passaria por um aperto se me perguntassem: por que Nossa Senhora é
invocada como Torre de Davi ou Espelho de Justiça? Por que Torre de Davi e não
Torre de Abraão ou de Moisés? Qual a origem dessas invocações? Não seria
espiritualmente mais proveitoso repetir uma invocação sabendo seu significado?
Se
amanhã, numa reunião com algum alto dignitário, eu tivesse que dizer algo,
preparar-me-ia para não repetir mecanicamente coisas ouvidas sem conhecer bem
seu sentido. Quando rezamos, em última análise dirigimo-nos a Deus, superior a
qualquer dignitário deste mundo; portanto, devemos procurar entender
razoavelmente o sentido das preces que fazemos.
É
claro que Deus é misericordioso e aceita benignamente as orações feitas com
devoção e desejo de agradá-Lo, mesmo se não compreendemos inteiramente o
significado delas. Estamos certos de que, se a Santa Igreja colocou em nossos
lábios pecadores aquelas orações, é porque elas são agradáveis a Deus.
Mas
o próprio desejo de agradar a Deus deve levar-nos a procurar entender com
profundidade o significado daquilo que Lhe dizemos, e com isso, também tornar
mais eficaz o pedido que fazemos.
Assim
sendo, vejamos a procedência de algumas invocações da Ladainha Lauretana, o que
certamente resultará em aperfeiçoarmos nossa vida espiritual. Para isso
ajudou-me muito o livro "Na escola de Maria", de autoria de André
Damino (*).
Origem
das ladainhas
A
palavra ladainha vem do grego e significa súplica. Mas desde o início da Igreja
ela foi utilizada para indicar não quaisquer súplicas, mas as que eram rezadas
em conjunto pelos fiéis que iam em procissão às diversas igrejas. Há,
naturalmente, numerosas ladainhas, dependendo do que é pedido nas diversas
procissões.
Quando
a casa na qual morou Nossa Senhora na Palestina foi transportada milagrosamente
para a cidade de Loreto (Itália), em 1291, a feliz novidade espalhou-se
rapidamente, dando início a numerosas peregrinações. Com o correr do tempo, uma
série de súplicas a Nossa Senhora foi sendo composta pelos peregrinos que ali
iam, os quais A invocavam por seus principais títulos de glória. Posteriormente
essa ladainha era cantada diariamente no Santuário, e os peregrinos que de lá
voltavam a popularizaram em todo o orbe católico. Chama-se lauretana por ter
sua origem em Loreto.
Algumas
invocações têm sido acrescentadas pelos Papas ao longo dos tempos, outras são
agregadas para honrar a proteção de Nossa Senhora a alguma Ordem religiosa,
como fazem os carmelitas, os quais rezam a ladainha lauretana carmelitana, com
quatro invocações a mais. Mas o corpo central das ladainhas permanece o mesmo.
Composição
da Ladainha
No
início da Ladainha Lauretana, as invocações não se dirigem a Nossa Senhora, mas
a Nosso Senhor e à Santíssima Trindade, pois dizemos Senhor, tende piedade de
nós, Jesus Cristo, ouvi-nos, etc. Depois invocamos o Padre Eterno, o Filho e o
Espírito Santo. Por quê?
Tudo
em Nossa Senhora nos conduz a seu divino Filho, e por meio dEle à Santíssima
Trindade, que é nosso fim último. Isto é algo que os protestantes não entendem
ou não querem entender: Maria Santíssima é o melhor caminho para se chegar a
Deus.
Após
essa introdução da ladainha, seguem-se três invocações, nas quais pronunciamos
o nome da Virgem (Santa Maria) e lembramos dois de seus principais privilégios:
o ser Mãe de Deus e Virgem das virgens. A seguir, há um grupo de 13 invocações
para honrarmos a Maternidade de Nossa Senhora, e outras seis para honrar sua
Virgindade. Em seguida, 13 figuras simbólicas; quatro invocações de sua
misericórdia e, finalmente, 12 invocações dEla enquanto Rainha gloriosa e
poderosa.
Em
geral, é no grupo das 13 invocações com figuras simbólicas que surgem as
maiores dificuldades de compreensão. Nossa civilização fechou-se para o
simbolismo, e aquilo que poderia ser até evidente em outras épocas, hoje ficou
obscurecido pelo exclusivismo concedido ao espírito prático. A própria vida
contemporânea contribui para isto. Assim, por exemplo, como explicar ou
ressaltar, a pessoas que ficam fechadas em cidades feias e perigosas, a beleza
de uma estrela? Igualmente, o ritmo de vida corrida e excitante de hoje não
favorece a meditação ou a contemplação das maravilhas da criação.
Alguns
significados
Vejamos
então o significado destas 13 invocações simbólicas.
Espelho
de Justiça —
Justiça, aqui, entende-se em seu sentido mais amplo de santidade. Nossa Senhora
é chamada assim, porque Ela é um espelho da perfeição cristã. Toda perfeição
pode ser admirada nEla, do mesmo modo como podemos admirar uma luz refletida na
água.
Sede
da Sabedoria —
Nosso Senhor Jesus Cristo é a Sabedoria, pois, enquanto Deus, tudo sabe e tudo
conhece. Ora, Nossa Senhora durante nove meses encerrou dentro de si seu divino
Filho; Ela foi, portanto, a sede da Sabedoria. E continua a sê-lo, pois é nEla
que encontramos infalivelmente a Nosso Senhor.
Causa
de Nossa Alegria
— a verdadeira alegria não é o riso. Rir muito nem sempre significa felicidade.
É muito mais feliz a mãe carregando amorosamente seu filho do que um papalvo
que ri à-toa. E a maior alegria que um homem pode ter é a de salvar-se e estar
com Deus por toda a eternidade. Ora, antes da vinda de Nosso Senhor, o Céu
estava fechado para nós. Foi o sacrifício do Calvário que nos reconciliou com o
Criador e nos proporcionou a verdadeira e eterna felicidade. Como foi por meio
de Nossa Senhora que o Redentor da humanidade veio à Terra, Maria Santíssima é,
pois, a causa de nossa maior alegria.
Vaso
Espiritual —
Nada tem mais valor do que a verdadeira Fé. Na Paixão e Morte de Nosso Senhor,
quando até os Apóstolos duvidaram e fugiram, foi Nossa Senhora quem recolheu e
guardou, como num vaso sagrado, o tesouro da Fé inabalável.
Vaso
Honorífico — Em
nossa época, a honra quase não é considerada. Pelo contrário, muitas vezes a
falta de caráter e a sem-vergonhice são louvadas. Mas a honra e a glória, na
realidade, valem muito. E Nossa Senhora guardou cuidadosamente em sua alma
todas a graças recebidas, e manteve a honra do gênero humano decaído. Se não
tivesse existido Nossa Senhora, ficaria faltando na criação quem representasse
a perfeição da criatura, fiel até o extremo heroísmo.
Vaso
Insigne de Devoção
— Devoto quer dizer dedicado a Deus. A criatura que mais se dedicou e viveu em
função de Deus foi Nossa Senhora, tendo-o realizado de forma tal, que melhor é
impossível.
Rosa
Mística — A rosa
é a rainha das flores. É aquela que possui de forma mais definida e esplêndida
tudo quanto carateriza uma flor. Igualmente Nossa Senhora, no campo da vida
espiritual ou mística, possui de forma mais primorosa tudo aquilo que
representa a perfeição.
Torre
de Davi — Lemos
na Sagrada Escritura que o rei Davi tomou a fortaleza de Jerusalém dos jebuseus
e edificou a cidade em torno dela. "E Davi habitou a fortaleza, e por isso
se chamou cidade de Davi" (Paralipômenos, 11-7). Naturalmente, o rei Davi
fortificou a cidade, para torná-la inexpugnável, e a dotou de forte guarnição.
A Igreja Católica é a nova Jerusalém, e nela temos uma torre ou fortaleza que
nenhum inimigo pode invadir ou destruir, que é Nossa Senhora. Ela constitui o
ponto de maior resistência e melhor defesa. Por isso, nesta invocação honramos
a Nossa Senhora reconhecendo que nunca houve, nem haverá, quem melhor proteja
os fiéis e defenda a honra de Deus do que Ela.
Torre
de Marfim — O
marfim é um material que tem caraterísticas raras na natureza. Ele é ao mesmo
tempo muito forte e muito claro. Igualmente Nossa Senhora é muito forte
espiritualmente, a maior inimiga dos inimigos de Deus, e de uma pureza
alvíssima. Assim Ela contraria a idéia falsa de que as coisas de Deus devam ser
sempre muito doces, suaves e fracas, ou que a verdadeira força têm-na os
impuros.
Casa
de Ouro — O ouro
é o mais nobre dos metais. Por isso, sempre que desejamos dar alguma coisa que
seja insuperável, a oferecemos em ouro — uma medalha de ouro numa competição,
por exemplo. Se tivéssemos que receber o próprio Deus, procuraríamos fazê-lo
numa casa que não fosse superável, neste sentido uma casa de ouro. E a Virgem
Santíssima é a casa de ouro que acolheu Nosso Senhor quando veio ao mundo.
Arca
da Aliança — No
Antigo Testamento, na Arca da Aliança ficavam guardadas as tábuas da lei dadas
por Deus a Moisés e um punhado do maná recebido milagrosamente no deserto. Por
isso ela lembrava as promessas e a proteção de Deus. Nossa Senhora é, no Novo
Testamento, a Arca da Aliança que protege o povo eleito da Igreja Católica e
lembra as infinitas misericórdias de Deus.
Porta
do Céu — Nossa
Senhora é invocada desse modo, pois foi por meio dEla que Jesus Cristo veio à
Terra, e é por Ela que nos vêm todas as graças, as quais têm como finalidade
nos levar ao Céu, nossa morada eterna. Assim, Ela favorece nossa entrada no
Céu, como a porta favorece a entrada num local.
Estrela
da Manhã — Pouco
antes de nascer o sol, quando a escuridão é maior e vai começar a clarear,
aparece no horizonte uma estrela de maior luminosidade. Depois, quando as
outras estrelas desaparecem na claridade nascente, ela ainda permanece. Assim
foi Nossa Senhora, pois seu nascimento significava que logo nasceria o Sol de
Justiça, Nosso Senhor Jesus Cristo. E quando a Fé se perdia até entre o povo
eleito, Ela continuava a acreditar e esperar. Ela é o modelo da perseverança na
provação e o anúncio da Luz que virá.
Temos
assim, resumidamente, algumas explicações das invocações da Ladainha Lauretana.
Esperemos que a compreensão delas nos ajude a rezar com maior fervor tão
meritória oração.
*
André Damino, Na escola de Maria, Ed. Paulinas, 4ª edição, São Paulo, 1962.