Dom Henrique
Soares da Costa
Comecemos com um fato teológico surpreendente: o rosário é um dos modos
de oração mais queridos pelo Povo de Deus. Está na alma, no instinto dos fiéis.
Simples leigos, iletrados ou cultos, monges, religiosos missionários e
religiosas de clausuras, sacerdotes, bispos e papas, uma imensa multidão de
fiéis encontram no santo rosário conforto e caminho seguro de oração. Isto não
pode ser fruto do acaso, mas revela uma direção na qual o Espírito que guia a
Igreja e sustenta o instinto de fé do Povo de Deus, vai conduzindo os
discípulos de Cristo na sua prática de piedade. Em outras palavras: na difusão
da devoção do rosário certamente há uma providencial ação do Espírito de Deus.
Não é possível datar com certeza a origem do rosário nem determinar com
precisão o modo como evoluiu. De modo breve e geral, sabemos que os primeiros
monges do deserto, lá pelo século IV, tinham o costume de rezar orações vocais
usando pedrinhas como marcadores. Em geral, rezava-se o Pai-nosso. A partir do
século XII, difundiu-se o costume de rezar cento e cinqüenta Ave-Marias com
cordinhas cheias de nós: era o modo que muitos iletrados encontravam para
substituir a oração dos cento e cinqüenta salmos que os monges rezam nos coros
das grandes abadias medievais. Depois, se uniu às Ave-Marias os Pai-nossos.
Finalmente, uniu-se às orações a contemplação dos mistérios. Foram os
dominicanos que, no século XIII, muitíssimo contribuíram para a difusão dessa
devoção que, assim, se espalhou por toda a cristandade ocidental. A partir de
1480 iniciou-se a esquematização dos quinze mistérios como tínhamos até a
pouco, quando o Servo de Deus João Paulo II introduziu os cinco mistérios
luminosos.
Várias vezes, em tempos de graves perigos, provocados por guerras e
heresias, foi a oração do rosário que sustentou e consolou a fé do povo de
Deus. Basta pensar como os dominicanos usaram esta oração no combate à heresia
cátara, no século XIII e como o povo cristão a rezou pedindo socorro contra os
muçulmanos na batalha naval de Lepanto, no século XVI.O rosário é, pois,
patrimônio da devoção da Igreja do Ocidente. Século após século esta foi
sobretudo a oração dos pobres, dos simples, dos desvalidos, seu misterioso elo
de ligação com a Igreja e com a vida espiritual e um símbolo claríssimo de
identidade católica.
É importante recordar que nas várias aparições da Virgem Maria –
sobretudo em Lourdes e Fátima – Nossa Senhora insistiu na reza do rosário.
Esses apelos tiveram impressionante eco na Igreja: vários documentos do
Magistério papal e o próprio exemplo pessoal dos Papas e dos santos apelam
vivamente a essa forma de oração.
A devoção do rosário é preciosa por vários
motivos:
(1) é bíblica, ajudando a penetrar contemplativamente os mistérios
essenciais da história da salvação,
(2) está toda orientada para Cristo, já que para ele se dirigem e dele
decorrem todos os acontecimentos da nossa salvação;
(3) apresenta um caráter contemplativo, pois na cantilena das ave-marias
o coração vai repousando no afeto despertado pela pacífica e serena
contemplação dos mistérios recordados;
(4) e, finalmente, tem relação profunda com a liturgia, pois é nesta
última que se faz o memorial de toda a história da salvação, que tem na Páscoa
de Cristo o seu cume.
O rosário tem uma dinâmica própria, que é muito importante que seja bem
compreendida: aí louva-se o Cristo. A Virgem abre-lhe o caminho, pois a
cadência das palavras com a contemplação dos mistérios permitem ao orante
unir-se afetivamente ao Senhor, Autor da nossa salvação e último responsável
por tudo quanto ali contemplamos.
Assim, quem reza o rosário de maneira correta sente-se chamado
pessoalmente, sente-se preso e inserido no destino e no curso da vida do nosso
Salvador. Deste modo, o santo Rosário é realmente oração do Senhor e ao Senhor.
Bem rezado, ele é uma forma excelente de oração, que nos exercita na meditação
contemplativa, reunindo as forças do espírito e da alma em torno do Redentor,
fazendo-nos aderir a ele e moldar nosso coração pelo seu Coração, conformando
nossos sentimentos aos seus.
A repetição cadenciada, a atenção atenta, mas não forçada, mais presa
pelo afeto que pela racionalidade, une profunda e intuitivamente ao mistério de
Cristo, dando-nos aquele conhecimento que ultrapassa todo conhecimento. Deste
modo, o santo rosário tem sido a oração dos pequenos, dos simples, dos
incultos, formando um inumerável exército de santos.
Notas para bem rezá-lo:
(a) Mais
importante que a atenção às ave-marias é a contemplação dos mistérios;
(b) As ave-marias servem para cadenciar a contemplação em união com a Mãe do
Senhor, dando paz, repouso e serenidade ao coração e à mente;
(c) É
importante ter o rosário em mãos enquanto se reza: o passar as contas é parte
da oração e dá-lhe o ritmo;
(d) Deve-se ter atenção ao que se reza: não tanto à palavra, mas primeiramente
ao afeto, que vai brotando paulatinamente, à medida que as contas são
passadas;
(e) No caso de distração, não se deve preocupar; basta voltar a atenção e
continuar tranquilamente a oração. É importante também aprender a fazer da
distração a própria oração: aquilo que nos distraiu deve ser colocado na
própria oração. Em outras palavras: dizem-se as ave-marias pensando-se nas
coisas que nos ocupam e preocupam. Assim, numa impressionante compenetração, a
oração entra na vida e a vida se faz oração.
(f) É importante a cadência na recitação. Os pai-nossos e ave-marias devem ser
quase que cantados numa espécie de
“retotom”...
(g) Mais que
em qualquer outro modo de oração vocal, no rosário a coisa não está em pensar
muito, mas em amar muito, numa atenção disponível e amorosa para com o Senhor e
sua Santíssima Mãe;
(h) Deve-se ser dócil ao Espírito, que indicará o sabor, a intensidade, o tema
da oração... Às vezes nossa atenção estará mais nas palavras, às vezes, numa
frase; às vezes numa idéia do mistério; às vezes, nos acontecimentos e situações
que nos estão preocupando...
Quanto aos
tempos de rezá-lo, deve ser rezado diariamente, de modo completo ou espaçado, a
sós ou comunitariamente.