Os mistérios
dolorosos
Os chamados mistérios dolorosos são uma
contemplação da Paixão e Morte do Senhor. Para bem contemplá-los é necessário
ter cuidado para não se ficar apenas nos fatos, quase como se fosse um teatro
interior que estivéssemos produzindo, simplesmente para nos comover com os
sofrimentos físicos e morais do Senhor. Isso tem lá também o seu valor, mas não
é o aspecto mais importante. É necessário compreender o sentido profundo dos
padecimentos de Cristo, seu sentido espiritual e procurar nos unir a ele,
sabendo que participando dos seus sofrimentos participaremos também da sua
glória...
1. A Agonia de Jesus no Horto das
Oliveiras
Leitura: Mt 26,36-46; Mc 14,32-42; Lc
22,40-46; Hb 5,7-10
Neste primeiro mistério somos chamados
a contemplar os aspectos interiores da Paixão do Senhor. Vejamo-los com nossa
fé e nosso afeto...
O primeiro aspecto nos chama atenção é
a realidade da agonia interior de Jesus: “Ele começou a apavorar-se e a
angustiar-se. E disse-lhes: ‘A minha alma está triste até a morte’”. (Mc
14,33-34) Jesus entrou na morte não de um modo triunfante, teatral;
realmente ele teve medo, ele se angustiou... As palavras de São Marcos são
impressionantes: pavor, angústia... Jesus entra num quadro de depressão, de
profunda tristeza, tristeza de morte! Por que isso? Primeiramente porque
experimenta a dor do fracasso, humanamente falando: ele não conseguiu convencer
os chefes nem o povo... Agora, sabe-se rejeitado pelo seu próprio povo como um
amaldiçoado, como um falso profeta, que não merece crédito. Pense-se na dor
moral do fracasso, da rejeição, da total incompreensão... Em segundo lugar,
imagine-se a enorme decepção de se saber traído por alguém escolhido a dedo,
alguém de própria convivência, do próprio círculo de amizade... Por fim, a
morte que Jesus vai abraçar é a nossa morte, a morte como salário do pecado,
morte como experiência da distância de Deus. Jesus morreu pelos pecados do
mundo, de modo que sua agonia tem sim um sentido amargo, de abandono e de
solidão: “Aquele que não conheceu o pecado Deus o fez pecado (= vítima pelo
pecado) por causa de nós, para que nós, por ele, nos tornássemos justiça de
Deus” (2Cor 5,21). É um mistério tremendo! Jamais poderemos experimentar,
jamais poderemos penetrar na profundidade da dor, da solidão, da escuridão de
Jesus, sozinho, com o pecado do mundo, naquele Horto! Contemplar este mistério
é um convite a nos unir sempre a Jesus nas nossas tribulações interiores.
Quando, nas nossas trevas, encontramos o Senhor que por nós enfrentou tão
densas trevas, a nossa treva começa a se tornar luminosa e a noite vai se
fazendo clara como o dia...
Daqui, precisamente, deriva o segundo
aspecto deste mistério: a profunda solidão do Senhor. Nunca houve ninguém tão
sozinho quanto Jesus no Jardim da Agonia! Onde está o povo, pelo qual gastou
seu tempo, sua pregação, seus milagres, sua vida? Onde estão aqueles aos quais
ele curou, acolheu, a quem deu nova esperança? Não, não há ninguém; Jesus está
só! Onde estão os Doze ou, ao menos aqueles três? “Permanecei aqui comigo e
vigiai!” (Mc 14,34). Os Doze estão distantes, os três dormem pesadamente! O
Senhor se apavora, o Senhor se entristece profundamente... Não há consolo, não
há um ombro amigo, não há o mínimo sinal de solidariedade, de misericórdia, de
compreensão! Jesus é todo solidão! Ele, então grita ao Pai... Mas, onde está o
Pai? O Pai se cala, como que esconde misteriosamente sua Face... É um mistério
profundíssimo de uma noite densa, escura, sem estrelas, sem a menor
luminosidade... “É a vossa hora e o poder das trevas” (Lc 22.53). A morte
de Jesus não é uma morte qualquer: nela é assumida toda a profundidade, toda a
tragédia, toda a gravidade do pecado do mundo: “O castigo que havia de
trazer-nos a paz, caiu sobre ele! O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de
todos nós” (Is 53,5b.6b) Unamo-nos à solidão de Jesus e, nela, rezemos
misericordiosamente pelos que se sentem oprimidos pela solidão da vida e
ofereçamos a nossa própria solidão... Fiquemos com ele, vigiemos...
Um outro aspecto profundíssimo é aquele
da oração de Jesus! Toda a sua existência foi aberta ao Pai, foi em diálogo com
o Pai: ele nunca se buscou a si, nunca procurou seu próprio interesse. Por
isso, passava tantas vezes as noites em oração, procurando a vontade do Pai e
na vontade do Pai descansando. Pois bem, ele agora entra na sua Paixão rezando.
Isto significa que tudo quanto viverá, tudo quanto sofrerá, até a morte, será
numa atitude de profunda abertura de coração para com o seu Deus e Pai! Jesus
não somente suportou a Paixão e a Morte: ele as viveu como um ato de amor, de
entrega e de adoração! Ele viveu todo esse doloroso caminho como uma oração,
como um diálogo, como um está na presença silenciosa do Pai do céu... Eis aqui
uma realidade profunda demais, rica demais, libertadora demais. Aprendamos a
nos deter neste mistério e a entrar nos sentimentos do coração bendito de
Jesus. Aí encontraremos paz, repouso e segurança... Escutemos o convite: “Vinde
a mim; aprendei de mim!”
A conseqüência de quem assim reza é uma
obediência infinitamente pacífica, serena, profunda. É o que vemos, admirados,
em Jesus: “Abbá! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice;
porém não o que eu quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36) O que tu queres!
Como nos ensinou o Santo Padre Bento XVI, “os caminhos do Senhor não são cômodos;
mas nós não fomos criados para a comodidade, mas sim para as coisas grandes,
para o bem! É essa obediência amorosa, livre, madura, a causa da nossa
salvação! Jesus foi totalmente livre, porque foi totalmente entregue à vontade
do Pai! A liberdade fundamental, base de todas as liberdades, é a liberdade de
si próprio para viver totalmente para o Pai e realizar sua santa vontade! Por
isso o Autor das Carta aos Hebreus não hesita em afirmar: “Graças a esta
vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo”
(10,10). Peçamos ao Senhor a graça de participar do mistério de sua
obediência, entregando-nos com toda a confiança nas mãos do Pai: Pai eu me
entrego a ti; abandono-me em ti! Faze de mim o que tu quiseres! Coloco minha
vida, coloco meus dias, coloco meu futuro nas tuas mãos benditas, com infinita
e absoluta confiança, porque tu és o meu Pai!
Qual o fruto de uma obediência assim,
de um abandono desses? A paz, a consolação! “Vontade do meu Deus, és o meu
paraíso!” é o que Jesus experimenta. São Lucas exprime isso de modo misterioso:
“Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava...” (22,43). É uma
realidade impressionante: mesmo na maior desolação, na maior treva, quando nada
mais compreendemos, se nos abandonarmos nas mãos do Senhor, encontraremos a paz
e a consolação, ainda que no meio de lágrimas e tormentos... Quem se uniu ao
Senhor nas provações sabe do que estou falando... Uma paz assim somente o
Senhor pode dar e somente que procura a vontade do Senhor e nela descansa por
experimentar tal realidade. Aqui, o mundo nem de longe pode compreender ou
saber do que falamos, porque exprimimos as coisas espirituais numa linguagem
espiritual (cf. 1Cor 2,13).